quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A dimensão afetiva da parentalidade

 Por Cláudia Sousa Andrade
Tal como referi há três post’s atrás, vamos falar de mais uma dimensão da parentalidade – a afetividade, ou a dimensão emocional.

Sempre que há uma relação entre duas ou mais pessoas, para além dos seus comportamentos e dos conteúdos cognitivos implicados, ocorrem também conteúdos emocionais ou afetivos que vão caraterizar essa relação. A relação pais-filhos constitui-se como um meio por excelência em que as situações emocionais se manifestam com uma variedade e uma intensidade muito própria.

Podemos verificar a existência de emoções negativas que são estimuladas por interações conflituosas, enquanto que interações mais responsivas estimulam emoções positivas entre os pais e as crianças/jovens. Estas emoções variam em intensidade.
A auto-avaliação negativa da sua eficácia parental implica um sentimento global de insatisfação ou de frustração e podem ter origem nas seguintes situações:
  1. Os pais não podem atuar de acordo com as suas ideias (por exemplo, quando consideram que é inadequado reagir a um comportamento problemático da criança, em público);
  2. O temperamento difícil de uma criança, coloca obstáculos à ação educativa dos pais;
  3. O stress, o cansaço e a falta de tempo em comum são situações que podem conduzir a atuações que não consideram ideais;
  4. O contexto em que vivem pode estar caraterizado por normas em que os pais não se revêm, mas têm que atuar em conformidade, para facilitarem a integração social da criança.
Outra fonte de insatisfação ocorre quando há um desencontro no sentido negativo, entre as realizações da criança e as expetativas dos pais.
Emoções negativas também são desencadeadas em pais que inferem que a criança tem controlo sobre o seu comportamento inadequado (Dix et al., citado por Cruz, 2005)
Os mesmos autores referem que o grau de intensidade das emoções negativas está directamente proporcional às interpretações que fazem do comportamento da criança; o humor negativo dos pais implica interpretações dos comportamentos inadequados dos filhos como intencionais e da responsabilidade da criança; estas interpretações negativas, aumentam a probabilidade de os pais reagirem com afeto negativo e de usarem comportamentos de afirmação do poder. Quando há maior irritação ou zanga pela parte dos pais, há também maior probabilidade de usarem estratégias punitivas.

Os pais que infligem maus tratos físicos aos filhos, parecem fazer apreciações de intencionalidade e de controlo dos comportamentos inadequados pela criança. Também os adultos que se percebem a si próprios com pouco poder apresentam reacções de afeto negativo às crianças, em comparação com os adultos que se percebem detentores de poder na relação educativa. 

As emoções parentais são adaptativas e regulam o comportamento do indivíduo. Reações parentais negativas podem não ser desadaptativas, mas pelo contrário suscitar o alcance de uma meta adaptativa, uma vez que que uma emoção só identifica uma relação disfuncional pela sua intensidade e duração.
Também se verifica a influência da afetividade parental no processo de qualidade e bem-estar familiar. Tal como refere Cruz (2005) uma afetividade parental positiva favorece o desenvolvimento da criança, enquanto a hostilidade parental está ligada a fatores de desenvolvimento desfavoráveis.
Assim como os estilos parentais recebem influência do clima emocional, os pensamentos e as ações dos pais na interação com a criança, raramente tem uma conotação afetiva neutra.

O sistema parental está organizado em torno de objetivos: para os pais e para a criança. A parentalidade requer que os objetivos orientados para a criança ativem emoções mais fortes do que os centrados nos pais
As emoções implicam uma avaliação cognitiva prévia, dos benefícios e dos prejuízos dos acontecimentos. Quando os acontecimentos interferem com os objetivos desencadeiam emoções negativas; quando os acontecimentos promovem os objetivos, refletem emoções positivas. A emoção desencadeada reflete a avaliação da situação, das consequências, dos obstáculos, dos recursos, …
Quando há compatibilidade entre os objetivos e comportamentos dos pais e da criança, as interações são harmoniosas, ativa-se um afeto positivo. Quando, pelo contrário não existe compatibilidade, entre os objetivos e comportamentos, surge um conflito e uma emoção negativa. A emoção activada depende assim, da avaliação dos pais relativamente à incompatibilidade de comportamentos e objetivos (por exemplo: incompatibilidade de objetivos e comportamentos como sendo intencional, provoca activação de emoção irritabilidade) e à sua percepção relativamente ao controlo da interação (por exemplo: o sentimento de frustração é sentido na ausência de controlo da situação; satisfação é sentida quando é percepcionado um controlo da situação).

A intensidade com que a emoção é experimentada depende do valor com que a situação é sentida, da perceção do controlo sobre a situação educativa. Nas emoções positivas, a sensação de maior intensidade ocorre quando os objetivos promovidos são valorizados pelos pais e quando os comportamentos da criança são considerados como estando dentro do controlo dos pais. Pelo contrário a perceção de maior intensidade nas emoções negativas ocorre quando os objetivos também são valorizados pelos pais, mas o comportamento da criança foge ao controlo dos pais. 

As emoções atuam na expressão emocional dos pais através de um conjunto de comportamentos que incluem, entre outros, a expressão facial, os gestos e o tom de voz.
Verificam-se mais condições para a vivência de emoções negativas em pais que são oriundos de contextos socioeconómicos baixos, com condições de vida difíceis, com graus de stress elevados e reduzidas fontes de apoio social.


Bibliografia: Cruz, O. (2005) Parentalidade, Coleção Psicologias, 1ª Edição, Quarteto

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